Em seu livro seminal, Ian Watt investiga as condições que permitiram o desenvolvimento e a ascensão do romance na Inglaterra do século XVIII. Segundo Watt, o que difere o romance de outras prosas de ficção é o que o crítico conceitua de realismo formal. As bases para essa atitude realista perante os fatos da vida teriam sua origem no realismo filosófico de Descartes e dos empiristas ingleses. Assim como o realismo filosófico empreende um estudo dos particulares da experiência, investiga a identidade pessoal a partir do repertório das lembranças e se pergunta sobre a correspondência entre as palavras e as coisas, o realismo formal do romance recusa os enredos tradicionais, cria personagens que devem ser vistas como pessoas particulares e emprega uma linguagem mais referencial do que é comum em outras formas literárias. Ainda segundo o estudo de Watt, os hábitos de leitura se alteraram na Inglaterra do século XVIII com o surgimento e a expansão do jornalismo, que abririam os caminhos para o público leitor de romances. Contudo, Watt não analisa as características formais da escrita de periódicos e desconsidera que estamos aqui diante de uma forma literária específica, o ensaio. Ao mesmo tempo em que o romance adquiria os contornos que definiriam o gênero, o realismo formal, e ganhava espaço entre o público leitor, o ensaio de periódico proliferava aos montes na Inglaterra e se valia de semelhante atitude realista perante os fatos da vida. Ao analisar mais detidamente periódicos como The Tatler, The Spectator, The Idler, entre muitos outros, notamos técnicas literárias comuns aos romances do período: fidelidade à experiência cotidiana, delimitação objetiva do espaço e do tempo, a presença de um narrador e a construção de um enredo que simula as idas e vindas do pensamento. Ainda que esses ensaios não se apresentem como obras ficcionais e que não contem a história de vida de um herói ou heroína numa trama de grande fôlego, a leitura de diferentes números de um determinado periódico revela a delimitação precisa de um personagem-narrador que partilha sua experiência e história de vida com o leitor e que, com frequência, borra as distinções entre fato e ficção. Assim, nesta apresentação, Lago Monteiro discorrerá sobre a ascensão do ensaio na Inglaterra do século XVIII, que ocorreu em paralelo com a ascensão do romance, e investigará a hipótese de que ambas as formas literárias se alimentaram umas das outras. Além disso, procurará examinar mais detidamente como as técnicas do narrador confiável e não confiável, da dilatação e encurtamento do tempo narrativo e da presença do leitor como entidade literária – técnicas comuns ao romance – foram primeiramente elaboradas na forma ensaio.
Daniel Lago Monteiro possui bacharelado e licenciatura em História pela Universidade de São Paulo, universidade onde concluiu o mestrado em Filosofia e o doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada. Foi pesquisador visitante junto ao Departamento de Literatura Inglesa da Universidade de Londres, Birkbeck College, e bolsista Fulbright junto ao Departamento de Literatura Inglesa de Rutgers, The State University of New Jersey. Realizou uma pesquisa de pós-doutorado sobre Machado de Assis e Charles Lamb na Unesp, Unicamp e no Institute of Advanced Studies da University College London (UCL), com bolsa Fapesp. É autor do livro No Limiar da Visão: a poética do sublime em Edmund Burke (Editora LiberArs, 2018) e tradutor de “O prazer da pintura” e outros ensaios, de William Hazlitt (Editora Unesp, 2021). Atualmente, desenvolve a pesquisa de pós-doutorado Machado de Assis, um ensaísta nos trópicos no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da UFRJ.