Parreiras Horta: vida e obra” – Prof. Henrique Batista e Silva

Antônio Carlos dos Santos – Professor de Ética e Filosofia Política da UFS

Foi lançado no dia 7 de novembro, às 17hs no Auditório do Conselho Estadual de Medicina de Sergipe, o livro “Parreiras Horta: vida e obra”, do Prof. Henrique Batista e Silva, editado pelo Conselho Federal de Medicina, 2023. 

O leitor terá em mãos uma obra que conta como a “Modernidade Médica” chegou em terras sergipanas, iniciada graças ao “bom encontro”, como diz La Boétie, de dois homens preocupados com a medicina, Gracco Cardoso e Parreiras Hortas, quando ela ainda ganhava ares de cientificidade em terras brasileiras. Se a arte médica, originalmente, tinha parte com os mitos e com os deuses, e se Hipócrates a transformou em tarefa humana, a ciência na Modernidade a laicizou de tal forma que a reduziu à técnica, aliada a laboratórios e estrutura capaz de colaborar na difícil arte de procurar normatizar o corpo tido como patológico. Se a medicina brasileira no século XIX era precária, o que pensar de Aracaju, que não passava de uma capital recém-construída, sem a estrutura minimamente necessária capaz de dar conta dos problemas de saúde pública de então?!

Na pena do Professor Henrique Batista e Silva o leitor é conduzido de forma clara, objetiva e lúcida sobre a história da medicina no Brasil e como ela se instalou aqui, de forma particular, em Aracaju, graças à vinda de um médico formado com os princípios científicos modernos, produzindo história. Vemos, então, perfilar por nossos olhos a história da fundação da medicina experimental em nossas terras, a luta pela institucionalização de uma fundação verdadeiramente laboratorial, a preocupação com a saúde pública, a formação de um corpo técnico que de forma efetiva pudesse colaborar com a medicina local. Descobrimos, pouco a pouco, a ter maior familiaridade com nomes de instituições públicas que nos são comuns, mas que ignorávamos a sua história e luta para que Sergipe e, de modo particular, Aracaju, tivesse os meios necessários para se cuidar da saúde corporal de seus cidadãos.

O livro que o leitor tem em mãos não poderia vir em melhor momento. Numa época em que o povo se livrou de um governo negacionista e que deixou profundas sequelas; que orientou e fez propaganda de remédio ineficaz, cientificamente (com a complacência de médicos e de membros do próprio CFM); que negou até onde pôde uma pandemia mundial; que postergou a vacinação pública à população até o limite máximo; que provocou aglomerações onde se exigia isolamento; que sucateou o Sistema de Saúde Público, descobrimos, nesse livro, como a medicina laboratorial se fez em Sergipe graças à ação de um homem público e republicano, Gracco Cardoso, que fez da saúde uma política pública. Aprendemos, com Batista e Silva, nas dobras desses fatos, a riqueza da história da medicina em Sergipe, tão pouco explorada e valorizada por seus historiadores e profissionais da saúde nas suas mais diversas perspectivas epistemológicas.

A obra em tela é dividida em duas partes. Na primeira, apresenta dados biográficos da vida de Parreiras Horta, passando pela infância, pela formação fundamental e médica, sem desconsiderar a sua influência recebida por Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. Ainda nessa parte, aborda a sua experiência na capital francesa e o feliz encontro com o político sergipano, Gracco Cardoso, que vai fazer o convite para vir a Sergipe e fundar um instituto de saúde pública, nos moldes daquilo que hoje se chama Fiocruz.

Na segunda parte, o livro é dedicado à fundação do Instituto Parreiras Horta, passando pelas primeiras atividades, sua trajetória, suas dificuldades iniciais, suas renomenclaturas e funções, até o desprezo por parte das recentes políticas públicas em saúde no Estado de Sergipe. O prédio que deu início profissional, técnico e científico à saúde por essas terras corre o sério risco de desabar, literalmente, por falta de política pública na área. Quanta diferença faz um político preocupado com a saúde de seu povo de outros, nos moldes atuais, que só pensam em construir pontes e fazer festas!

Ao longo dessas duas partes, Batista e Silva analisa os fatos, demonstra as fontes, questiona as decisões políticas, relaciona as referências, ilustra a obra com fotos que atestam a riqueza dos detalhes e embelezam a narrativa. Trata-se de uma obra madura, elaborada por alguém que tem lastros profundos com a própria história da medicina por essas terras.

Por fim, a publicação dessa obra é de grande importância em três pontos fundamentais.

Em primeiro lugar, como registro mesmo material da fundação da medicina experimental em Sergipe, fruto de pesquisa histórica, feita por um médico, professor de história da medicina em nossas terras.

Em segundo lugar, por ser uma narrativa que pode inspirar novos pesquisadores, e novos estudos na área ou fora dela. Ela valoriza as nossas raízes históricas e nos faz ver a precariedade de nossas instituições e, ao mesmo tempo, a riqueza e diferença que faz um político com visão de espírito público e republicano.

Em terceiro e último lugar, mas não menos importante, por ser de grande valia não só aos estudos de história em nosso Estado, sobretudo aos jovens estudantes de medicina, oriundos de várias regiões do país, que desconhecem quase completamente o nosso passado recente. Os cursos de medicina recentemente instalados em Sergipe parecem não dar muito valor a esta área: eles ignoram o fato de que não se pode compreender a medicina atual de forma precisa sem o devido conhecimento da sua história. A eles, particularmente, registro o que certa vez observou Bergson (1859-1941): “o espírito humano está feito de tal modo que só começa a compreender o novo quando procura compará-lo com o antigo”.

(texto extraído de https://www.blogprimeiramao.com.br/parreiras-horta-vida-e-obra/)

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